
“Coloca aí no cartaz que o Seu João é
um homem direito, um cidadão e não merece isso que tá acontecendo com ele, não.
Coloca também pedindo pra juíza tirar o nome dele do processo, porque ele não é
criminoso. Eu não sei escrever, mas sei dizer direitinho”. O senhor pediu meio
tímido que a moça escrevesse, depois de pronto recebeu o cartaz agradecido.
Era manhã do dia 17 de agosto de 2016
e acontecia a primeira audiência do caso de João Raimundo Moreno da Silva. As
cerca de 50 pessoas se organizavam em frente ao Fórum Desembargador Orville de
Almeida e Silva, em Santa Luzia (MA), para protestar em favor do morador de
Auzilândia (Alto Alegre do Pindaré/MA) processado pela Vale S/A após uma
manifestação no povoado, ocorrida no mês de junho.
A empresa acusava Seu João de
Mariazinha, como é mais conhecido, de liderar a interdição de uma rua da
comunidade. Na ocasião, os moradores fecharam a Travessa Carajás pedindo a
solução de um problema antigo agravado pela obra de duplicação da Estrada de
Ferro Carajás (EFC), que atravessa o povoado: o excesso de poeira. A interdição
durou de 06 a 08 de junho, com momentos de liberação da via para a passagem de
automóveis. Em contrapartida a esse protesto houve a criminalização do morador
e de toda a comunidade.
“Nós vivemos há mais de ano na poeira
medonha, muita poeira, gente adoecendo direto. No dia que fechamos a via ia
acontecer uma reunião com a Vale e a prefeitura, mas não aconteceu, não veio
ninguém, então a comunidade fechou a rua”, esclarece Seu João. Além de
processá-lo criminalmente, a Vale S/A propôs um interdito o proibindo, assim
como os demais moradores da comunidade de realizar qualquer manifestação na
linha férrea e em suas adjacências.
Quando a audiência terminou, cerca de
duas horas depois do seu inicio, às pessoas que havia ido a Santa Luzia apoiar
Seu João, o aguardavam ainda com os cartazes erguidos. Fazia um calor
escaldante de quase meio-dia, quando ele saiu do Fórum acompanhado dos seus
advogados e com um resultado positivo: o promotor do caso se manifestou dando
seu parecer pela rejeição da queixa contra o lavrador e a juíza acabou
decidindo nesse mesmo sentido. Em síntese, ela entendeu que a Vale não
conseguiu explicar o porquê de estar processando João.
Interditos proibitórios
Interditos proibitórios
Segundo a advogada da rede Justiça
nos Trilhos Ana Paula Santos, que defendeu o caso de Seu João, “além de ações
penais a Vale também tem proposto uma série de interditos proibitórios em face
de pessoas e comunidades que ousam se insurgir e lutar contra as violações de
direitos que a empresa comete com o objetivo de executar suas obras, sempre no
menor tempo possível e com os maiores cortes de gastos”. Muitas vezes isso
significa cortes com estruturas de segurança nas obras e com as medidas de
reparação voltadas às comunidades.
Ela explica ainda que a ação de
interdito proibitório é cabível quando o legítimo possuidor de um bem se ver
ameaçado em sua posse, seja por turbação (quando há a ameaça, mas não a tomada
da posse) ou por esbulho (ocorre de fato a tomada da posse, o que enseja sua
reintegração). Nessas ações, a empresa alega que sua posse está sendo ameaçada
por ofensores e em muitos casos sequer se dá ao trabalho de nomeá-los, como é
de sua responsabilidade. “Independe de serem verídicas ou não as alegações de
turbação da posse feitas pela empresa, as ações servem, ou pretendem servir, a
pelo menos um outro objetivo: constranger pessoas, associações e comunidades
inteiras a não se ‘rebelarem’ e a aceitarem resignadamente as violações
cometidas pela mineradora”, afirma.
Desde que iniciou as obras de duplicação da ferrovia, a apresentação de ações na esfera cível, de cunho possessório (a maioria delas de interdito proibitório) têm se tornado uma prática comum da Vale. Só no Maranhão foram localizadas 23 ações desse tipo propostas pela empresa, em andamento na justiça do estado e, ao menos outras 11 ações de mesma natureza em tramitação perante a justiça federal. No Pará, um caso parecido com o de Seu João ainda está em tramitação: o professor universitário Evandro Medeiros está sendo processado criminalmente pela mineradora sob a acusação de liderar uma manifestação ocorrida nos trilhos, no final de 2015.
Desde que iniciou as obras de duplicação da ferrovia, a apresentação de ações na esfera cível, de cunho possessório (a maioria delas de interdito proibitório) têm se tornado uma prática comum da Vale. Só no Maranhão foram localizadas 23 ações desse tipo propostas pela empresa, em andamento na justiça do estado e, ao menos outras 11 ações de mesma natureza em tramitação perante a justiça federal. No Pará, um caso parecido com o de Seu João ainda está em tramitação: o professor universitário Evandro Medeiros está sendo processado criminalmente pela mineradora sob a acusação de liderar uma manifestação ocorrida nos trilhos, no final de 2015.
Ana Paula chama a atenção ainda para
a fragilidade vivenciada pelas pessoas processadas e que não têm condições de
arcar com as despesas de um processo judicial, uma vez que nem todas as
comarcas maranhenses, onde correm as ações de interdito, possuem um núcleo da
Defensoria Pública. “Não bastasse o peso de terem que suportar um processo
judicial no qual são apontadas como rés, essas pessoas ainda precisam se
desdobrar para custear as despesas, caso queiram se defender, o que se
configura como mais uma brutal e cruel entre tantas ofensas aos direitos das
comunidades impactadas pela Vale no estado”, pondera.
Auzilândia:
violação de direitos e a poeira que adoece
A Travessa Carajás, onde ocorreu à
manifestação em Auzilândia, está localizada próxima à faixa de domínio da EFC,
dando acesso à jazida de cascalho utilizado na obra de duplicação. Segundo o
morador Cleidir Pereira da Silva, na via chegam a passar diariamente até 80
caminhões, sempre com velocidade acima dos 20km/h, o que aumenta a poeira e o
risco de acidentes, como a queda das pedras que são transportadas. “Os
moradores começaram a cobrar a umectação da rua, (molhar para diminuir a
poeira), mas nisso eles [funcionários da empreiteira que trabalha na obra]
relaxavam, não molhavam, ou molhavam uma vez por dia”, conta. Ele denuncia
ainda que a água utilizada nesse processo é retirada de forma indevida do Rio
Pindaré, que passa no povoado.
Outra moradora da Travessa, Elielma
Lopes Santos relata que antes das obras e do movimento constante dos caminhões
a poeira era bem menor. Mãe de quatro filhos, ela reclama que eles têm adoecido
com frequência, principalmente o caçula de um ano e sete meses. “Meu filho de
vez enquanto ficava gripado, comprava remédio ficava bom e agora dou remédio e
a gripe nunca mais vai embora. Ele está com um cansaço, nem respira direito à
noite, com o nariz entupido”.
A poeira e as condições da rua
motivaram o protesto. No dia 06 de junho estava marcada uma reunião entre
representantes da Vale, membros da prefeitura e moradores da Travessa para tratar
sobre essa situação. Depois de quatro horas de espera, a população indignada
começou a fechar a rua. Cleidir explica que foi uma manifestação totalmente
pacífica. “Não danificamos nenhum bem seja ele privado ou público, apenas não
permitimos a passagem de carros da empresa e nem da prefeitura”, afirma.
No dia seguinte, a rua continuou
interditada, enquanto negociavam uma nova reunião que ficou marcada para 08 de
junho. Nesta estiveram presentes apenas os moradores e os representantes da
empresa. “Eles explicaram que a pavimentação da via era de obrigação da
prefeitura, mas se comprometeram a recapear a rua, colocando algum material que
diminuísse a poeira”, afirma Seu João. Estava previsto que isso acontecesse
ainda em junho, mas o material só foi posto no inicio do mês de agosto, em
parte da rua.
Além da poeira, algumas casas da
Travessa e de outras ruas de Auzilândia apresentam danos, como é o caso da
residência recém-construída de Seu João, que está recebendo os últimos
acabamentos, mas já apresenta rachaduras nas paredes e algumas no chão, em
decorrência da obra de duplicação. Atualmente ele e a família moram numa casa
cedida por um dos filhos.
Por: Idayane Ferreira
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