Um caso envolvendo o assassinato
brutal de uma menina de seis anos pelo próprio pai chegou ao fim na terça-feira
na Inglaterra, após um julgamento cujos detalhes chocaram o país.
Ellie foi
morta dentro de casa, em outubro de 2013. Por unanimidade, o júri considerou
seus pais, Ben Butler e Jennie Gray, culpados. Ele foi condenado a no mínimo 23
anos de prisão, e ela, considerada cúmplice, a 42 meses.
O crime
consternou os britânicos pela violência - a criança apresentava lesões no
crânio e na coluna comparáveis às encontradas em pessoas que sofrem acidentes
de carro em alta velocidade - e também pelo fato de Butler já ter sido acusado
de agredir a filha quando ela ainda era um bebê.
Ele havia
conseguido recuperar a guarda da menina apenas 11 meses antes de ela ser morta,
após uma campanha para convencer as autoridades de que a condenação inicial
havia sido um erro. Ele foi inocentado da acusação de agressão ao bebê em 2009
e, posteriormente, apesar de objeções da polícia, do serviço social e dos avós,
conseguiu recuperar a guarda da filha na Suprema Corte.
Avô gastou
suas economias lutando nos tribunais para que guarda da menina não fosse
concedia aos pais
Nesta quarta-feira, o avô materno da
menina, Neal Gray, pediu a abertura de um inquérito público para investigar a
atuação da Justiça no episódio e lembrou da reação de pavor manifestada pela
menina durante o processo de recuperação de guarda pelos pais.
"Ela
tinha pesadelos e se escondia toda vez que um assistente social nos
visitava", disse à BBC.
'Pai perfeito'
Em fevereiro
de 2007, quando Ellie tinha pouco mais de um mês de vida, exames constataram
graves ferimentos em seu cérebro típicos de casos em que o bebê é violentamente
sacudido. Na época, o pai e a mãe não moravam juntos e ela havia deixado a
filha com ele. Na versão do pai, ele estava jogando no computador quando
percebeu que a menina estava 'sem movimentos e muito branca'. Ela foi levada a
um hospital onde o problema no cérebro - do qual ela se recuperou posteriormente
- foi detectado.
O pai foi
considerado culpado pelas agressões e condenado a 18 meses de prisão em 2009,
mas, três anos depois, a Justiça britânica o inocentou - a conclusão foi de que
os ferimentos poderiam ter sido "acidentais".
Isso ocorreu após
uma pesada campanha pela absolvição de Butler, comandada pelo famoso agente
publicitário britânico Max Clifford - que mais tarde seria condenado por
assédio sexual.
Pouco antes de
conseguir a vitória, o casal participou de programas de TV britânicos - na
ocasião, Gray dizia que o marido "estava tentando ser o pai
perfeito".
A decisão de devolver a guarda, no fim
de 2012, ocorreu mesmo após assistentes sociais e os próprios avós de Ellie,
com quem a menina estava vivendo, tecerem fortes críticas ao pai.
"Ela (a
juíza) vai ter sangue em suas mãos se fizer isso", havia dito Neal Gray, o
avô materno - segundo a imprensa britânica, o casal gastou todas as suas
economias, que totalizavam 70 mil libras (cerca de R$ 350 mil), lutando contra
o pai nos tribunais.
Ao absolver
Butler, a juíza Mary Hogg escreveu: "É uma alegria para mim ver o retorno
de uma filha para os braços de seus pais. Essa história não acaba hoje, ainda
há trabalho a ser feito".
Com a decisão,
o serviço de proteção dos assistentes sociais à garota foi suspenso e
substituído por uma agência independente, responsável pelo acompanhamento do
retorno da criança ao convívio dos pais.
Na imprensa,
foram publicadas várias reportagens sobre a "família injustiçada" e o
primeiro Natal que eles passariam juntos. Poucos meses depois, ela seria
assassinada.
Surto de raiva
A menina de
seis anos foi encontrada morta na casa da família em Sutton, a sudoeste de
Londres, em 28 de outubro de 2013. Segundo a acusação, Butler teve um surto de
raiva e aplicou golpes na cabeça de Ellie até que ela morresse.
Jennie Gray,
afirmou a Promotoria, foi chamada pelo companheiro quando estava no trabalho.
Ao chegar em casa, viu a filha morta, mas não ligou imediatamente para o
serviço de emergência. Ela acabou condenada por crueldade infantil e por ter
acobertado o homicídio.
O casal também
inventou um plano para tentar destruir as provas do crime e encenar uma queda
acidental antes de chamar a ambulância, uma farsa que envolvia o irmão mais
novo de Ellie.
Eles mandaram
a criança ir ao quarto da menina chamá-la para comer bolo - quando chamaram a
emergência, duas horas após a morte da filha, era possível ouvir o menino dizer
que "Ellie não estava acordando".
O juiz do
caso, Alan Wilkie, disse a Gray que ela havia sido "excepcionalmente
ingênua e estúpida". Ele afirmou ainda que a mulher, que era verbal e
fisicamente abusada pelo marido, tinha uma dependência tão profunda dele que
estava disposta a fazer qualquer coisa pelo companheiro, inclusive participar
daquela "farsa grotesca", referindo-se especificamente à ligação
feita ao serviço de emergência duas horas após a morte de Ellie.
Sobre Butler,
Wilkie disse: "Você é um homem egoísta, de temperamento difícil, violento
e dominador, que considera seus filhos e sua parceira como troféus, como se
eles não tivessem qualquer função a não ser satisfazer suas fantasias infantis
e sentimentalizadas de vida familiar - com você como patriarca a quem todos
deveriam obedecer."
Revisão
A investigação
sobre a morte de Ellie fez com que a Justiça revisasse o caso que absolveu Ben
Butler no passado. Com isso, novas informações vieram à tona.
Ao considerar
que o pai da menina não havia sido responsável pelos ferimentos em Ellie quando
bebê, a juíza Mary Hogg afirmou que havia ocorrido um "erro
judicial".
O efeito disso foi a
revogação de qualquer forma de proteção à menina, que retornou à casa dos pais
sem qualquer acompanhamento para saber se ela estava sendo bem cuidada.
"A ordem
da juíza deu permissão a Butler para apresentar o documento emitido por ela a
qualquer escola, médico, assistente social, enfermeiro ou policial que viesse a
entrar em contato com a família", explicou o repórter da BBC que cobriu o
caso, Gaetan Portal.
"Butler
teve, como efeito disso, a garantia de uma poderosa arma legal contra qualquer
um que levantasse questionamentos ou preocupações sobre o bem-estar de Ellie no
futuro. A juíza também determinou que os assistentes sociais locais não
poderiam mais supervisionar a menina."
Profissionais
independentes ficaram com a missão de acompanhar o caso, mas nunca receberam
informações sobre o histórico da família ou sobre as questões que pairavam
sobre Butler, que tinha outros registros de violência contra, por exemplo, uma
ex-namorada.
Eles foram
orientados apenas pela decisão de Hogg, que classificava as acusações contra o
pai como "um erro".
A equipe de
assistentes sociais independentes acompanhou o retorno de Ellie para casa por
três meses e não reportou nenhum problema familiar. Eles entregaram o relatório
final à Justiça em abril de 2013, seis meses antes do crime.
Segundo
funcionários da escola da menina, ela faltou bastante à escola nos meses
anteriores a seu assassinato. Ao ser cobrada pelo envio de atestados médicos
que comprovassem os motivos das ausências, Grey ficou "irritada e
agressiva", disse ao júri a assistente administrativa Kelly Vennard. Ela
chegou a dizer que qualquer assunto deveria se tratado com advogados.
O avô materno
de Ellie critica o sistema que permitiu a devolução da guarda da neta a seu
assassino.
"O
sistema falhou com ela, e conosco também. É tarde demais para Ellie, mas não
para salvar outras crianças", afirmou. "Quero garantir que isso
jamais ocorra com outra criança."
Em entrevista
à BBC, o avô contou que ele e sua esposa receberam um telefonema da filha na
véspera do assassinato em que ela ofereceu um encontro com a menina por apenas
meia hora em uma lanchonete.
"Foi em
27 de agosto de 2013, um dia antes de ela morrer", lembrou. "Ela não
era a Ellie que conhecíamos. Tinha marcas na testa e arranhões", disse.
Questionado pelo apresentador sobre a reação da menina ao se despedir dos avós,
se ela havia protestado, ele respondeu que "não". "Havia tristeza
em seus olhos", disse à BBC Neal Gray que lembrou também de Ellie em dias
mais felizes. "Ela era uma menina fantástica. Muito extrovertida, bonita,
sempre em movimento. Era muito inteligente. Foram os melhores dias de nossas
vidas", completou Gray, hoje, viúvo. BBC Brasil
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